Gordon Wasson e os cogumelos psicadélicos
- Quem foi R. Gordon Wasson?
- O despertar do interesse de Wasson pelos cogumelos
- A busca pelos cogumelos sagrados de Wasson
- A viagem a Huautla de Jiménez, 1955
- O artigo "Seeking the Magic Mushroom"
- A relação de Wasson com María Sabina
- Contribuições científicas e acadêmicas de Wasson
- A fundação da etnomicologia
- A teoria do soma
- O legado complexo de Wasson: luz e sombra
- Referências
A história da psicodelia moderna tem um ponto de inflexão muito claro: 13 de maio de 1957, quando a revista Life publicou um artigo que mudaria o mundo para sempre. Seu autor, R. Gordon Wasson, não era um hippie nem um cientista rebelde, mas um respeitável banqueiro de Wall Street que se tornaria o pai da etnomicologia moderna e o responsável por introduzir os cogumelos psicodélicos na cultura ocidental.
Quem foi R. Gordon Wasson?
Robert Gordon Wasson (1898-1986) foi um etnomicólogo, banqueiro e escritor americano cujo trabalho pioneiro estabeleceu as bases científicas para o estudo dos cogumelos nas culturas humanas. Nascido em Great Falls, Montana, Wasson desenvolveu uma carreira bem-sucedida no mundo financeiro de Nova York, trabalhando para J.P. Morgan & Co. por mais de 30 anos. No entanto, sua verdadeira paixão e legado encontravam-se em um campo completamente diferente: o estudo dos cogumelos e seu papel na história da humanidade.

O que torna extraordinária a figura de Wasson é como um homem de negócios convencional se tornou o pesquisador mais influente no campo dos psicodélicos, abrindo as portas para décadas de pesquisa científica e, inadvertidamente, alimentando o movimento contracultural dos anos 60.
O despertar do interesse de Wasson pelos cogumelos
A transformação de Wasson começou da maneira mais inesperada. Durante sua lua de mel em 1927 nas montanhas Catskill de Nova York, sua esposa russa Valentina Pavlovna Wasson, reconheceu e coletou cogumelos silvestres para preparar uma refeição. Wasson, criado na tradição anglo-saxônica de desconfiança em relação aos cogumelos silvestres, observou com horror sua esposa consumir o que ele considerava potencialmente venenoso.
Esta diferença cultural fundamental despertou em Wasson uma curiosidade intelectual que o consumiria pelo resto de sua vida. Ele se deu conta de que existiam culturas "micófilas" (que amam os cogumelos) como a russa, e culturas "micófobas" (que temem os cogumelos) como a anglo-saxônica. Esta observação o levou a se perguntar: que papel os cogumelos haviam desempenhado na evolução das culturas humanas?
A busca pelos cogumelos sagrados de Wasson
Durante as décadas seguintes, Wasson embarcou em uma pesquisa exaustiva sobre o papel dos cogumelos em diferentes culturas. Junto com sua esposa, publicou estudos sobre o folclore micológico na Rússia e outros países europeus. No entanto, seu interesse se intensificou quando começou a encontrar referências a cogumelos sagrados em textos antigos e culturas indígenas.
Os rumores sobre cerimônias com cogumelos no México o intrigaram particularmente. Através de contatos acadêmicos e uma pesquisa meticulosa, Wasson rastreou referências aos "cogumelos divinos" utilizados pelos povos indígenas de Oaxaca.
A viagem a Huautla de Jiménez, 1955
Em 29 de junho de 1955, Wasson realizou a viagem que o converteria em uma figura histórica. Acompanhado pelo fotógrafo Allan Richardson, viajou para Huautla de Jiménez, uma aldeia mazateca remota nas montanhas de Oaxaca, México. Lá conheceu María Sabina Magdalena García, uma curandeira mazateca de 58 anos que se tornaria uma das figuras mais importantes na história da psicodelia.
Depois de ganhar sua confiança e demonstrar respeito pelas tradições locais, María Sabina aceitou incluir Wasson em uma cerimônia noturna de cogumelos sagrados. A experiência foi transformadora. Wasson consumiu Psilocybe mexicana e experimentou visões intensas que descreveu como "mais reais que a realidade ordinária".

Ele se tornou o primeiro ocidental documentado a participar de uma cerimônia tradicional de cogumelos psicodélicos, um fato que ele mesmo reconheceu como uma honra extraordinária.
O artigo "Seeking the Magic Mushroom"
Dois anos após sua experiência em Huautla, Wasson publicou suas descobertas em um artigo de 15 páginas na revista Life intitulado "Seeking the Magic Mushroom". Publicado em 13 de maio de 1957, este artigo introduziu pela primeira vez os cogumelos psicodélicos ao público americano e ocidental. O artigo incluía fotografias impactantes das cerimônias, descrições detalhadas dos efeitos dos cogumelos e uma explicação cuidadosa do contexto cultural e religioso de seu uso.
Wasson escreveu: "Pela primeira vez, a palavra de um homem branco descreve os cogumelos sagrados do México... Viemos de longe para encontrar o que o homem tem buscado desde o início dos tempos: uma panaceia, uma planta mágica, uma poção que para a alma e o corpo fosse o que os antigos chamavam de nepente, que faria esquecer a dor do mundo."

A resposta foi imediata e massiva. Milhares de cartas chegaram aos escritórios da Life de leitores fascinados pela história. Mais significativamente, o artigo chegou às mãos de figuras que moldariam o futuro da pesquisa psicodélica:
- Albert Hofmann, o químico suíço que havia descoberto o LSD, leu o artigo e posteriormente viajou ao México com Wasson para estudar os cogumelos
- Timothy Leary se inspirou no trabalho de Wasson para iniciar seus próprios experimentos
- Pesquisadores de todo o mundo começaram a estudar os compostos psicoativos dos cogumelos
A relação de Wasson com María Sabina
A relação entre Wasson e María Sabina representa um dos encontros mais significativos entre a cultura ocidental e as tradições indígenas no século XX. Wasson manteve um profundo respeito por María Sabina e as tradições mazatecas, aprendendo algumas palavras em mazateco e seguindo escrupulosamente os protocolos cerimoniais. No entanto, este encontro também ilustra as complexidades da apropriação cultural. Embora Wasson tenha agido com as melhores intenções, a publicação de suas experiências teve consequências devastadoras para a comunidade mazateca que ele tanto respeitava.
María Sabina mais tarde refletiria: "Antes de Wasson, ninguém tomava as crianças santas apenas para encontrar Deus. Elas eram sempre tomadas para curar a doença... Agora as pessoas de todos os lugares vêm... A sabedoria das gerações se perdeu."
Contribuições científicas e acadêmicas de Wasson
A fundação da etnomicologia
Wasson cunhou o termo "etnomicologia" para descrever o estudo dos cogumelos nas culturas humanas. Seu trabalho estabeleceu esta disciplina como um campo acadêmico legítimo, combinando antropologia, botânica, química e estudos religiosos.
Suas contribuições científicas mais importantes incluem:
- Mushrooms, Russia and History (1957): Uma obra monumental de dois volumes que documenta o papel dos cogumelos no folclore e na cultura de diferentes sociedades.
- Identificação de espécies: Trabalhando com micólogos profissionais, Wasson ajudou a identificar e classificar várias espécies de cogumelos psicoativos, particularmente do gênero Psilocybe.
- Documentação cultural: Seus registros detalhados das práticas cerimoniais mazatecas forneceram um contexto antropológico crucial para entender o uso tradicional dos psicodélicos.
A teoria do soma
Em 1968, o etnobotânico formulou uma hipótese controversa: o misterioso soma descrito nos antigos textos védicos não era uma planta perdida, mas o cogumelo Amanita muscaria, conhecido por seu distintivo chapéu vermelho com pontos brancos. Em sua obra "Soma: Divine Mushroom of Immortality", propôs que este cogumelo era a fonte do sacramento sagrado que, segundo o Rig Veda, outorgava visões, força e conexão direta com o divino.

Wasson apoiou sua proposta em vários elementos:
- Etnobotânica: Documentou o uso xamânico de Amanita muscaria entre povos siberianos.
- Linguística: Trabalhou com especialistas em sânscrito para correlacionar as descrições do soma com as propriedades do cogumelo.
- Geografia: Argumentou que o cogumelo crescia em regiões onde se desenvolveu a cultura védica.
Uma das principais críticas à teoria de Wasson era a complexidade do método védico de preparação do soma. No entanto, estudos modernos baseados em centenas de casos documentados demonstraram que essas técnicas reduziam a toxicidade do Amanita muscaria e potencializavam seus efeitos visionários, o que apoia a ideia de que os antigos sábios védicos conheciam como preparar o cogumelo de forma segura e eficaz.
O legado complexo de Wasson: luz e sombra
O trabalho de Wasson teve impactos profundamente positivos:
- Pesquisa científica: Suas descobertas levaram a décadas de pesquisa médica sobre a psilocibina, que hoje mostra promessas extraordinárias para tratar depressão, PTSD e outras condições mentais.
- Preservação cultural: Documentou tradições indígenas que de outra forma poderiam ter se perdido.
- Consciência acadêmica: Elevou o estudo dos psicodélicos da marginalidade à respeitabilidade acadêmica.
Por outro lado, a revelação de Wasson também teve consequências negativas:
- Turismo psicodélico: O artigo da Life desencadeou uma avalanche de buscadores ocidentais que viajaram para Huautla, perturbando profundamente a comunidade mazateca.
- Comercialização: Os cogumelos sagrados foram comercializados e banalizados, perdendo seu contexto cerimonial sagrado.
- Impacto em María Sabina: A curandeira que havia confiado em Wasson posteriormente lamentou ter compartilhado os segredos ancestrais, dizendo que os cogumelos haviam perdido seu poder devido à profanação estrangeira.
Embora Wasson fosse um conservador cultural e político, seu trabalho inadvertidamente alimentou a revolução psicodélica dos anos 60. Figuras como Timothy Leary citaram explicitamente o trabalho de Wasson como inspiração para seus próprios experimentos. Ironicamente, Wasson se distanciou do movimento contracultural que havia ajudado a criar, preocupado com o uso recreativo e sem contexto das substâncias que ele considerava sagradas.
Nas palavras do próprio Wasson: "O que há nesses cogumelos que lhes dá o poder de transportar o homem para fora de si mesmo, além do tempo e do espaço, para uma dimensão espiritual desconhecida para ele em sua vida cotidiana?"
A história de Wasson oferece lições-chave para o renascimento psicodélico atual: os psicodélicos não são simples substâncias químicas, mas ferramentas carregadas de significado cultural; os pesquisadores devem agir com responsabilidade ética, considerando o impacto de suas descobertas; e é fundamental reconhecer e proteger as tradições indígenas que preservaram este conhecimento ancestral.
Referências
- Jstor - The Nice Married Couple Who Inspired People to 'Shroom
- Wasson, R.G. (1957). "Seeking the Magic Mushroom". Life Magazine
- Wasson, R.G. & Wasson, V.P. (1957). Mushrooms, Russia and History
- Wasson, R.G. (1968). Soma: Divine Mushroom of Immortality
- Letcher, Andy (2006). Shroom: A Cultural History of the Magic Mushroom Ott, Jonathan (1993).
- Pharmacotheon: Entheogenic Drugs, Their Plant Sources and History
- Researchgate - Revisiting Wasson's
- Pollan, Michael (2018). How to Change Your Mind
- Iceers - Amanita muscaria: Basic Info
- Soma: Exploring the Effects of Preparation on the Chemistry of Amanita Muscaria