María Sabina: a curandeira Mazateca que falava com cogumelos
- Quem foi María Sabina? Uma vida entre tradição, pobreza e sabedoria ancestral
- Primeiras experiências com os cogumelos de María Sabina
- Os "Niños Santos": O uso de cogumelos alucinógenos nas cerimônias de María Sabina
- Como eram as cerimônias de María Sabina?
- O Encontro com o Ocidente: Robert Gordon Wasson e a psilocibina
- Visitas de Personalidades Emblemáticas
- A microdosagem e o ressurgimento psicodélico
María Sabina, reconhecida como a Sacerdotisa dos Cogumelos, é uma das figuras mais influentes na história do xamanismo, da medicina tradicional mexicana e do renascimento psicodélico global. Esta curandeira mazateca, originária da Serra de Oaxaca, dedicou sua vida às cerimônias com cogumelos alucinógenos — os "niños santos" — com fins curativos e espirituais. Seu legado transcendeu fronteiras, despertando o interesse de cientistas, artistas e buscadores espirituais em todo o mundo.
Quem foi María Sabina? Uma vida entre tradição, pobreza e sabedoria ancestral
Nascida em 22 de julho de 1894 em Huautla de Jiménez, Oaxaca, María Sabina Magdalena García cresceu em uma família indígena mazateca marcada pela pobreza. Desde pequena mostrou uma sensibilidade especial para com as plantas e as práticas curativas de sua comunidade. Embora não tivesse educação formal nem falasse espanhol, sua sabedoria intuitiva a guiou ao curanderismo, uma tradição que passara por gerações em sua linhagem familiar.
Seu bisavô, avô e pai foram curandeiros, e embora não os tenha conhecido, sua linhagem semeou nela um interesse intuitivo pelas plantas medicinais e os rituais sagrados.

O cogumelo sagrado me toma pela mão e me leva ao mundo onde tudo é conhecido. Lá estão os cogumelos santos, falam de certa maneira e eu posso entendê-los. Faço perguntas e eles me respondem.
María Sabina não aprendeu a ler nem escrever, mas possuía um conhecimento profundo sobre o corpo, a alma e a linguagem poética que brota do transe visionário.
Primeiras experiências com os cogumelos de María Sabina
- Experimentou-os pela primeira vez junto à irmã enquanto cuidavam de animais.
- Sentiu que os cogumelos "falavam com ela" e lhe mostravam visões.
- Sua vocação curativa nasceu quando os "niños santos" lhe revelaram como curar.
María Sabina teve seu primeiro contato com os cogumelos entre 5 e 7 anos, durante uma cerimônia para curar um tio doente. Embora não os tenha consumido naquela ocasião, a experiência marcou sua vida. Mais tarde, enquanto cuidava de animais no cerro com sua irmã, encontrou cogumelos similares e decidiu experimentá-los. As visões que teve — risos, prantos e um senso de conexão com o divino — despertaram nela uma profunda fascinação por essas "crianças sagradas".
Anos depois, quando sua irmã adoeceu gravemente e os curandeiros locais não puderam ajudá-la, María consumiu 30 pares de cogumelos para entrar em transe. Durante essa experiência, seres espirituais lhe revelaram como curar sua irmã, consolidando sua reputação como curandeira.
Os "Niños Santos": O uso de cogumelos alucinógenos nas cerimônias de María Sabina
O uso de cogumelos alucinógenos, particularmente das espécies Psilocybe mexicana e Psilocybe caerulescens, era uma prática ancestral entre os mazatecas. Conhecidos como teonanácatl ("carne dos deuses" em náhuatl) ou "niños santos" por María Sabina, esses cogumelos contêm psilocibina e psilocina, compostos psicoativos que induzem estados alterados de consciência.
Para María, os cogumelos não eram uma droga recreativa, mas uma ferramenta sagrada para conectar-se com o mundo espiritual e curar tanto o corpo quanto o espírito.

Como eram as cerimônias de María Sabina?
- Cerimônias noturnas, preferencialmente com lua cheia.
- Sincretismo religioso: imagens de santos, velas, orações e rezas católicas misturadas com cantos ancestrais.
- Escuta interior guiada pelos cogumelos: o cogumelo "falava" através dela.
- Linguagem poética: María falava em versos mazatecas que pareciam ditados por outra dimensão.
As cerimônias de María Sabina, conhecidas como veladas, ocorriam à noite em um ambiente de reverência. Os cogumelos eram abençoados em um altar com imagens de santos católicos, como a Virgem de Guadalupe e Jesus Cristo, refletindo o sincretismo entre as crenças indígenas e o catolicismo.
María e os participantes ingeriam os cogumelos, e ela cantava versos poéticos em mazateco que, segundo ela, eram ditados pelos próprios cogumelos. Esses cantos, que descreviam mundos invisíveis e mensagens divinas, eram parte essencial de sua prática.
Os cogumelos são santos. Me ensinaram a linguagem com a qual o mundo fala.
O Encontro com o Ocidente: Robert Gordon Wasson e a psilocibina
Em 1955, o etnomicologista Robert Gordon Wasson chegou a Huautla para experimentar os cogumelos mazatecas. María Sabina, pressionada por autoridades locais, aceitou realizar uma velada para ele. Wasson ficou fascinado com a cerimônia e, em 1957, publicou na revista Life o artigo "Seeking the Magic Mushroom", que marcou o início do interesse global pelos cogumelos alucinógenos.
Esse evento impulsionou a pesquisa científica da psilocibina — isolada pelo químico Albert Hofmann um ano depois —, mas também abriu as portas ao turismo psicodélico, trazendo consequências inesperadas para María e sua comunidade.
Após a publicação do influente artigo de R. Gordon Wasson, a figura de María Sabina catapultou-se à fama internacional. Sua sabedoria ancestral e seus rituais com cogumelos alucinógenos despertaram a curiosidade e o desejo de conexão espiritual em inúmeros visitantes de terras distantes. Diversos relatos e estudos etnográficos destacam sua influência em personalidades notáveis que buscavam mergulhar no mistério e na profundidade das cerimônias mazatecas.
Visitas de Personalidades Emblemáticas
Allen Ginsberg, renomado poeta e escritor estadunidense, foi um dos visitantes mais destacados. Durante os anos 1960, Ginsberg foi a Huautla de Jiménez e, conforme registrado em obras como The Yage Letters, ficou profundamente impressionado pela atmosfera mística e pela conexão de María Sabina com o divino. Paralelamente, o fotógrafo e etnobotânico Jean-Pierre Laffite viajou à comunidade para documentar visualmente esses encontros, produzindo imagens que capturaram a essência ritual e o sincretismo cultural.
Outro referente foi o antropólogo Timothy Leary, que em 1960 visitou Huautla e experimentou pessoalmente os efeitos dos cogumelos guiado pela curandeira. Leary tornou-se um dos principais divulgadores do potencial da psilocibina no Ocidente, impulsionando o debate científico e cultural sobre estados alterados de consciência.
Além disso, múltiplos testemunhos e fontes documentais aludem à presença — às vezes em caráter mais anedótico — de personalidades como os Beatles, os Rolling Stones, e figuras como Walt Disney, Jim Morrison, Bob Dylan e Aldous Huxley. Embora a veracidade de alguns encontros seja debatida por especialistas, é inegável que a fama de María Sabina transformou-se em sinônimo de uma ponte entre a tradição mazateca e a contracultura ocidental.
Camilo José Cela e a homenagem teatral
O impacto cultural de María Sabina transcendeu também às artes. O célebre escritor espanhol Camilo José Cela inspirou-se em sua história para criar uma obra teatral, a Cantata dedicada à sua vida. Com direção musical do compositor catalão Leonardo Balada, esta peça estreou em 17 de abril de 1970 em um dos palcos mais prestigiosos do mundo, o Carnegie Hall de Nova York.
A obra, patrocinada pela Hispanic Society of America, fundia música, poesia e ritual para homenagear María Sabina, exaltando temas como espiritualidade, conexão com a natureza e a experiência mística dos cogumelos sagrados. Esta homenagem artística ajudou a perpetuar sua imagem como símbolo da fusão entre tradição indígena e modernidade.
A microdosagem e o ressurgimento psicodélico
Embora o enfoque de María Sabina fosse profundamente ritual e curativo, seu legado também influenciou práticas contemporâneas como a microdosagem de psilocibina. Atualmente, pesquisadores e terapeutas exploram o potencial dos cogumelos psicoativos para tratar depressão, ansiedade e vícios, seguindo protocolos científicos.
Ainda que a microdosagem distancie-se do contexto cerimonial original, muitas vozes reconhecem que foi o testemunho de María Sabina que abriu as portas à compreensão da psilocibina como ferramenta terapêutica.
Legado moderno de María Sabina
- Estudos clínicos com psilocibina para depressão, vícios e ansiedade.
- Práticas psicoterapêuticas assistidas por psicodélicos.
- Reivindicação de saberes indígenas em livros, documentários e fóruns.
- Cultura de respeito ao uso de plantas sagradas.
María Sabina foi muito mais que uma curandeira. Foi uma mulher visionária, uma poeta da alma e uma ponte entre a espiritualidade indígena e a ciência moderna. Sua vida nos convida a honrar práticas sagradas com respeito, a olhar para dentro e a reconectar-se com a sabedoria ancestral.
Sou mulher que olha para dentro, sou mulher estrela, sou mulher do céu.